Richard Campanari, sócio da CGSA Advogados Associados e especiliatista em direito eleitoral, aponta que a anulação das provas gera um precedente perigoso
Ao decidir anular as provas obtidas por meio do acordo de leniência da construtora Odebrecht e dos sistemas de propina da empresa, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), ocasionou nova derrota à operação Lava Jato e enfraqueceu o combate à corrupção feito pela força-tarefa nos últimos anos.
O principal argumento do magistrado foi o de que as tratativas envolveram colaboração informal com autoridades estrangeiras. Ele também criticou termos do acordo de leniência da Odebrecht, e determinou o envio de mais informações sobre a questão. O ministro considerou que os dados dos sistemas da Odebrecht – Drousys e My Web Day B – eram armazenados em servidores fora do país e foram enviados ao Brasil sem conformidade com o que ditam as regras para acordos de cooperação jurídica internacional.
“Dessa maneira, além de promover tratativas diretas com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América (Department of Justice), bem como com a Procuradoria-Geral da Suíça (Office of the Attorney General of Switzerland), os Procuradores de Curitiba e os magistrados lotados na 13ª Vara de Curitiba avançaram para efetivamente remeter recursos do Estado brasileiro ao exterior sem a necessária concorrência de órgãos oficiais como a Advocacia-Geral da União, o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Justiça e Segurança Pública”, afirmou o ministro.
O advogado Richard Campanari aponta que a anulação das provas gera um precedente perigoso, já que a empresa admitiu a culpa durante as investigações. Ele aponta que a revogação de todas as provas de um acordo de leniência feito com uma empresa reconhecidamente envolvida em corrupção por um ministro da Suprema Corte tem sérias implicações na luta contra a corrupção.
“Essa situação se torna ainda mais preocupante no caso da Odebrecht, que admitiu ter mantido um departamento dedicado a subornos, conhecido como “operações estruturadas”, e que, em um processo nos tribunais dos Estados Unidos, confessou ter pago propina para obter vantagens ilegais em 12 países”.
Para o advogado criminalista Adriano Soares da Costa, a decisão de anular o acordo não apenas transmite uma mensagem desanimadora, mas também tem o potencial de aumentar a sensação de impunidade entre a população, enfraquecendo a confiança nas instituições democráticas e no sistema judicial.
A criminalização daqueles que combatem a corrupção é outro ponto preocupante destacado pelo advogado. “A decisão do ministro Dias Toffoli traz uma série de consequências não apenas para Lava Jato, que restará criminalizados os agentes públicos que dela participaram, como também para o próprio sistema acusatório brasileiro, porque fica claro que em grandes esquemas sistêmicos de corrupção envolvendo poderosos do setor econômico ou político terminarão as consequências recaindo naqueles que são responsáveis. Apuração, perseguição criminal e aplicação da lei”, disse.
Ele acrescenta que a decisão do ministro cria uma situação dúbia para a Odebrecht no cenário internacional, já que a empresa também responde nos Estados Unidos por conta das investigações da Lava Jato. “O caso da Odebrecht é muito impactante porque afeta todo o acordo de colaboração premiada, a devolução dos recursos desviados, pagamento de multa, feitos no Brasil e também nos Estados Unidos. Então, nós teremos um caso em que a Odebrecht se assume culpada em outro país, faz o ressarcimento daquilo que foi desviado e dos prejuízos que causou, mas no Brasil termina sendo exonerada em função da nulificação de provas”, afirmou.
De acordo com a advogada Angela Gandra, professora de Filosofia do Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, a decisão do ministro é um “golpe mortal” na segurança jurídica do país. “Uma triste decisão política que refuta uma decisão jurídica realmente fundamentada. São 135 páginas para justificar o indefensável. Um golpe praticamente mortal à segurança jurídica, em tema que escandaliza pelo estímulo à corrupção. Por outro lado, é claro que dessa forma preparam-se mais cassações e calam-se ações e expressões. A estratégia é completa. Porém, não se pode deixar de trabalhar perseverantemente para que não naufraguemos na mentira existencial professada e possamos viver em verdade e liberdade”, afirma a jurista.
Ex-integrantes da Lava Jato criticaram decisão de Toffoli
Pelas redes sociais, o senador Sergio Moro, ex-juiz da operação, disse que “a corrupção nos governos do PT foi real” e que “criminosos confessaram e mais de seis bilhões de reais foram recuperados para a Petrobras”.
“Esse foi o trabalho da Lava Jato, dentro da lei, com as decisões confirmadas durante anos pelos Tribunais Superiores. Os brasileiros viram, apoiaram e conhecem a verdade. Respeitamos as instituições e toda a nossa ação foi legal. Lutaremos, no Senado, pelo direito à verdade, pela integridade e pela democracia. Sempre”, escreveu Moro na rede social X, antigo Twitter.
O ex-procurador da Lava Jato e ex-deputado federal Deltan Dallagnol classificou a decisão como erro histórico. “O maior erro da história do país não foi a condenação do Lula, mas a leniência do STF com a corrupção de Lula e de mais de 400 políticos delatados pela Odebrecht”, disse.
“A anulação da condenação e do acordo fazem a corrupção compensar no Brasil. E se tudo foi inventado, de onde veio o dinheiro devolvido aos cofres públicos? E com a anulação do acordo, os 3 bilhões devolvidos ao povo serão agora entregues novamente aos corruptos? Os ladrões comemoram enquanto quem fez a lei valer é perseguido”, escreveu o ex-deputado pela rede social X.
Matéria original publicada por Vinícius Sales, da Gazeta do Povo, em 07 de setembro de 2023